quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Chatô:a reinvenção da “ética”

A EXCELENTE BIOGRAFIA DE CHATEAUBRIAND ESCRITA POR FERNANDO MORAIS



Um homem polêmico e amigo do poder.Assim foi Chateaubriand.Durante toda a biografia desse magnata das comunicações,Fernando Moraes fez questão de exaltar a dubialidade que sempre acompanhou Chatô.Era amado por alguns e odiado por muitos.
Durante toda a sua trajetória jornalística e empresarial, Chateaubriand não se contentou em perder.Tudo que estivesse associado ao poder e a comunicação deveria pertencê-lo ou pelo menos respeitá-lo.Com essa gana pelo lucro e pelo respeito,criou várias inimizades que lhe renderam inúmeras perseguições,mas também boas brigas que, como bom aproveitador que era,sabia levá-las ao máximo,transformando-as em capítulos a serem publicados em seus folhetins.
Dono de um temperamento forte e avesso a contestações,sempre estava certo e se não estivesse faria com que todos acreditassem em sua palavra.Assim com mais de 100 veículos de comunicação, Chateaubriand tornou-se um homem temido e respeitado até mesmo por aqueles que conseguiram algum triunfo sobre ele.
Alfabetizado mais tarde do que a idade comum,com 10 anos, o jovem cheio de problemas para se comunicar,entre eles a gagueira que parecia não ter cura,aprende a ler com exemplares velhos do Diário de Pernambuco e do Jornal de Recife.Ali,nas páginas dos jornais,pôde imprimir uma visão de futuro,talvez tão audaciosa,que nem mesmo ele imaginaria tanto.
Antes mesmo de saber ler,Chatô conviveu com médicos,advogados e fazendeiros,gente influente de sua família.Logo cedo pode perceber que o poder abria portas e ,dentro de um  raciocínio lógico de vantagens,soube fazer uso dessa experiência no futuro.Ridicularizado na infância por ser o atrasado,o de parcos conhecimentos e o que dificilmente seria alguma coisa, Chateaubriand guardou para si o que usaria sempre: a influência abre portas que o dinheiro não pode comprar.
Usando de sua vontade de crescer e ser não alguém,mas o alguém, Chatô pensava grande e não fazia um favor que não tivesse pagamento.Não se tratava de dinheiro.Usando de uma esperteza magnânima, recusava muitos pagamentos em dinheiro em troca da amizade leal que poderia ser usada algum dia.Nem sempre colhia lucros imediatos,mas como um demônio que satisfaz pedidos em troca da alma do ambicioso,nunca deixou de cobrar o que os outros lhe deviam.
Construiu um império extraído de suas influências.Valia-se de seu rastro de favores e conseguia sempre o que queria,mesmo que tivesse que esperar o tempo certo para dar o bote.Como alguém consegue construir um império somente com o capital alheio? Chatô soube!Dominou esse país como um partido político e suas ramificações.Em cada canto desse Brasil que merecesse uma maior atenção,havia um jornal ou revista de Chateaubriand.Sabia de tudo e inventava o que deveria ser acreditado.
Dono de muitas peripécias jornalísticas,Assis Chateaubriand,não soube direito o que era ética jornalística.Era acima de tudo um empresário,um político,um poliglota na arte de ludibriar os fatos.Seu objetivo era o lucro e fazer uso de seu poder de persuasão era seu passatempo preferido.
Envolvido constantemente em escândalos,nem sempre tinha tempo para defender-se,portanto usava o ataque como defesa.Quem se metesse a besta com ele,sabia o que teria de enfrentar:ataques nem sempre justos nas páginas de seus diários.
Como jornalista,também soube ser um ficcional.Vários de seus textos foram encomendados por pessoas que o prestavam favores.Caixas de Champanhe enviadas com o objetivo de conquistar a jovem de 15 anos,Corita,sua futura esposa,renderam nobres elogios a um novo condomínio de propriedade do dono das Casas Godinho,tradicional importadora de bebidas e alimentos,responsável pelos presentes de sua pretendente.
Chatô ,desde a adolescência, dizia que ser prudente era antes de tudo ser medíocre.E levou a sério esse ensinamento com fidelidade.Nunca soube viver com pouco.Preferia arriscar um império do que correr o risco de não conseguir mais.
Falando em fidelidade,nunca soube bem entender essa palavra.Muito namorador e infiel,tinha na família uma visão de empecilho ao progresso do homem.Com frases marcantes dizia: “Você acha que se Cristo tivesse mulher e filhos conseguiria criar uma religião que já dura quase dois milênios?”“Família é uma instituição belíssima,desde que em forma de retrato,pendurada na parede”.Essa era a visão de família que Chatô ostentava.Algo intrigante para alguém que sempre ,na infância e adolescência ,teve os pais apoiando-no em tudo,inclusive quando todos o desacreditavam.
Esse era Chateaubriand.Um homem de muitas contradições bem captadas pelo livro Chatô:o rei do Brasil. Fernando Moraes com uma luneta de pesquisador,conseguiu mergulhar no universo de conquistas e confusões do homem que reinventou a palavra ética.Para Assis Chateaubriand,ética era uma palavra associada a interesse.Se fosse o caso,servia um nobre com uma mão e abanava o outro com a outra.Não perdia a oportunidade de sair ganhando.Mesmo tendo Getúlio Vargas como ditador implacável que autorizou sua prisão e o perseguiu,soube também extrair vantagens e admiração.
Desde a infância, Chateaubriand aprendeu com o mundo que os fracos são pisoteados.Na fase de gagueira infantil,aguentou muitos risos e ouviu muitas galhofas.Parece,então,ter querido brincar com o mundo.Aquela velha frase que diz que o último a rir é sempre o melhor parece ter sido saboreada ao longo de sua vida.
Sabia retirar dinheiro e vantagens do inesperado.Usou também as páginas de seus diários como veículos de propagandas.Lucrando bastante,tinha empresas com a General Eletric com uma de suas maiores anunciantes.Quando ninguém via grande importância nas propagandas,Chatô enxergava o futuro dessa modalidade de vendas e comunicação já nos anos 30.
Graças a ele a Tv Tupi,precursora da mídia televisiva,inicia sua trajetória no Brasil nos anos 50.Sempre a frente de todos quis implantar essa forma de transmissão de notícias,informações e entretenimento.Quando Chatô morreu em 1968 a rede Globo ainda era uma ideia na mente de Roberto Marinho.
Mesmo acometido por uma trombose que o deixou paralisado e apenas balbuciando e se comunicando por meio de uma máquina de datilografar adaptada,Chatô não deixou de se comunicar.Demonstrou uma garra e teimosia que poucos tiveram no Brasil e no mundo.
Nordestino de nascença e brasileiro de influência,Chatô foi tudo que quis ser.Jornalista,advogado,empresário,mecenas,magnata e outras tantas faces. Todas movidas pelo interesse e pelo poder.

Textos e muitos dedos gastos de passar páginas,mas com satisfação: Luciana Rodrigues




domingo, 14 de novembro de 2010

Manchetes de O Jornal

Barulho,divergências de opiniões,egos inflamados,necessidade de ser o melhor.Tudo isso misturado ao relógio que cobra implacavelmente uma notícia rentável a uma empresa de comunicação.Pois é,o filme O jornal é uma caricatura,um exagero,ou a realidade retratada na tela?A pouca trajetória de uma iniciante no jornalismo não me permite responder com a força prática da experiência.No entanto,depois de conversar com alguns repórteres, meus ouvidos  ,em tão pouco tempo, me permitem crer que a realidade não parece tão ficcional.
O jornal é um filme capaz de despertar no estudante de jornalismo reflexões sobre carreira,companheirismo,família,valores.O mais importante de tudo:valores.Qual o limite para se conseguir uma informação?Vale a pena perder completamente o escrúpulo profissional em nome do ineditismo ou até mesmo da verdade?
Falando da verdade na informação,outro ponto abordado de forma louvável é a disputa entre a notícia que parece certa e a que com muito esforço de apuração um dia será certa.A pressa em botar as máquinas para produzirem as linhas folhetinescas do dia seguinte esmaga a visão dos apressados e compromete a lisura de um jornal.
Michael Keaton vive o chefe de reportagem Henry Hackett e Glenn Close a chefe de redação ambiciosa Alicia Clark,cada um tentando aparecer mais e sobreviver a uma “necessidade” de holofotes.Henry é um jornalista ambicioso por notícias quentes.Incomodado por não acompanhar o sucesso de outros jornais que se destacam por conseguirem furos sensacionais, resolve imprimir em sua vida uma única ambição:fazer o melhor onde trabalha,mesmo que para isso tenha que passar por cima da concorrência  que  deseja contratá-lo para trabalhar ganhando mais respeito e mais dinheiro.Alicia pensa em dinheiro e poder,vende-se em um classificado inventado por ela.Joga seguindo as regras do seu próprio interesse,trabalharia para quem lhe pagasse melhor.
Esses são os personagens que travarão uma batalha pela verdade.Cada um construindo a sua e sempre imersos em brigas pessoais alimentadas pelo aniquilamento da palavra limite.Agridem-se verbalmente até se agredirem “homem a homem”.Digo isso porque para defenderem o que acreditam ser o correto,esmurram-se em uma cena memorável que retrata o quando o ser humano poder ser ridiculamente ambicioso pela defesa de suas ideias.O primeiro round é vencido por quem tem mais poder.Alicia demite Henry aproveitando-se do seu cargo maior.
Mas o que está em jogo é a lisura do jornal The sun ,falar uma verdade pouco investigada não  contribui para que o jornalismo,o jornalista e o veículo de comunicação ganhem respeito. Brigas pessoais sendo alimentadas pelo aniquilamento da palavra limite.Manchetes sensacionalistas abrem caminho para uma trajetória fugaz.Vende-se hoje,amanhã não sem tem credibilidade.Jornalismo é responsabilidade nas mãos,portanto não basta fotografar e estampar “culpados”,usar palavras inocentes para atacar sem provas.O grande mal do jornalista estaria no seu autoendeusamento que lhe permite crer que tudo pode em menos de 7dias.Em se tratando de jornalismo,7 horas já está de bom tamanho para se desfazer um mundo.
Graças a um resquício de bom censo Alicia,depois de chegar ao baixo nível de uma briga física ,deixa que a verdade prevaleça,assumindo sua imaturidade diante de um assunto tão sério:a condenação de dois jovens pobres e negros,acusados de assassinato de ricos e brancos importantes.Deixar que as páginas do jornal sentenciem o destino de inocentes não lhe pareceu coerente.A briga pessoal que a fazia cega não prevalece no final.
Até onde tem que ir o profissional desejoso pela informação?Existe vida própria e familiar depois do jornalismo?Essa é outra questão levantada pelo filme O Jornal.Henry,desfaz compromissos familiares de forma “ingenuamente” interesseira,não escuta a esposa grávida,não se encontra mais dentro de uma vida calma e pacífica dos mortais que querem constituir família.Sua família é o jornal.A cena da personagem abandonando no restaurante os pais que viajaram 2 horas para vê-lo e também a esposa deixa bem claro a prioridade de suas escolhas.Seria também isso possível na realidade ou seria ficção?
Conversando com um profissional da área televisiva,há poucos dias de encontrar o filme na locadora,ouvi dele que jornalista não tem fim de semana,folga ou feriado.As férias são seu descanso.Olhando por essa perspectiva,acho melhor nem levantar discussões sobre esse novo subtema do filme.Henry arrepende-se por ter abandonado a esposa em uma gravidez solitária,mas o filme não nos deixa esperançosos com uma possível mudança sua.Pelo contrário,nos deixa entender que sua mulher é que se rendeu ao brilhantismo do marido,já que depois do trabalho de parto ela o elogia segurando um exemplar do jornal The sun e nele estava estampada a notícia pela qual ele lutou durante todo o filme.
O jornal deixa qualquer jornalista bastante intrigado em relação à profissão.Mas dizer que ele nos amedronta a ponto de desistirmos de perseguir a verdade que será estampada em páginas de informações diárias já seria um exagero.Cada um de nós jornalistas fará sua autoavaliação de importâncias quando chegar a hora certa.




Ficha Técnica
Título Original: The Paper
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 88 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1994
Estúdio: Universal Pictures / Imagine Entertainment
Distribuição: Universal Pictures / UIP
Direção: Ron Howard
Roteiro: David Koepp e Stephen Koepp
Produção: Brian Grazer e Frederick Zollo
Música: Randy Newman
Direção de Fotografia: John Seale
Desenho de Produção: Todd Hallowell
Figurino: Rita Ryack
Edição: Daniel Hanley e Mike Hill

Elenco
Michael Keaton (Henry Hackett)
Robert Duvall (Bernie White)
Glenn Close (Alicia Clark)
Marisa Tomei (Martha Hackett)
Randy Quaid (Michael McDougal)
Jason Robards (Graham Keighley)
Jason Alexander (Marion Sandusky)
Spalding Gray (Paul Bladden)
Catherine O'Hara (Susan)
Lynne Thigpen (Janet)
Jack Kehoe (Phil)
Roma Maffia (Carmen)
Clint Howard (Ray Blaisch)
Geoffrey Owens (Lou)

Texto e jornais de confusões: Luciana Rodrigues